21 fev, 2022
Relatos
de produtores rurais indicam maiores perdas de produtividade, aumento da
extensão de ocorrência geográfica e impactos de até 40% na quantidade de grãos
avariados
A
anomalia das vagens ou apodrecimento de grãos e vagens, problema que vem
ocorrendo há três safras na cultura da soja, especialmente no médio-norte de
Mato Grosso, nos municípios do eixo da BR-163, continua sendo motivo de
observação e pesquisa por parte de especialistas. A Fundação de Apoio à
Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso, Fundação MT, é uma das instituições que
tem contribuído com o assunto e, nesta safra, está confrontando dados já
levantados nas safras 2019/20 e 2020/21.
Recentemente,
um grupo multidisciplinar de pesquisa liderado pela Embrapa Soja, do qual a
Fundação MT faz parte junto com outras instituições, especialistas e produtores
rurais, esteve reunido na região médio norte. O objetivo do encontro foi o de
acompanhar áreas com incidência do problema e propor uma padronização das avaliações
a serem conduzidas pelas frentes envolvidas.
Diante
do cenário encontrado em visitas às lavouras, o grupo estima que
aproximadamente 2,5 milhões de hectares apresentem incidência de anomalia, em
diferentes proporções e graus de intensidade. Os especialistas receberam relatos
de produtores rurais indicando maiores perdas de produtividade, aumento da
extensão de ocorrência geográfica e impactos de até 40% na quantidade de grãos
avariados.
Felipe Araújo, pesquisador da área de Fitotecnia da Fundação MT, e Karla Kudlawiec, pesquisadora da área de Fitopatologia da instituição, participam da frente de pesquisa e destacam que o momento continua sendo de cautela sobre o diagnóstico das causas do problema. “A partir desse grupo definimos algumas diretrizes para trabalhar de forma emergencial, fizemos a unificação de uma metodologia de avaliação para que seja possível comparar dados e, com isso, queremos entregar para o produtor um resultado robusto, com informações de repetibilidade”, explica Felipe.
Junção
de pesquisas
Há
duas safras, a Fundação MT também conduz no Centro de Aprendizagem e Difusão
(CAD Norte), em Sorriso, um experimento com o objetivo de gerar mais informações
sobre a anomalia das vagens. Nesta safra, o ensaio avalia diferentes cultivares
de soja semeadas em três épocas (10/10, 01/11 e 25/11), submetidos a dois
programas de fungicidas -, um com manejo completo e outro sem aplicação -, para
fins de pesquisa e caracterização de cultivares.
A
pesquisadora Karla, responsável pela condução do ensaio, explica que nas outras
safras foi constatado que a aplicação de fungicidas pôde reduzir a ocorrência dos
danos às vagens e grãos. Dessa forma, a partir desta safra os experimentos estão
voltados para entender se há diferenças de eficácia na redução dos sintomas, entre
os distintos grupos químicos de fungicidas que o produtor tem disponível para
aplicação. “Com isso, esperamos colher ainda mais dados para serem divulgados assim
que estiverem consolidados junto ao grupo de pesquisa”, revela.
A
pesquisadora também esclarece que outra etapa do trabalho está sendo conduzida
pela Embrapa e busca, num primeiro momento -, a partir de amostras coletadas no
campo, o isolamento dos microrganismos presentes em vagens e grãos com
sintoma e, numa etapa posterior, o sequenciamento genético do que foi
encontrado. “Isso irá permitir entender se a ocorrência da anomalia está
relacionada a uma nova espécie de algum dos gêneros já encontrados, ou se esses
microrganismos sofreram alguma mutação para reduzir a sensibilidade aos ativos
fungicidas e, se por ventura, teve sua virulência aumentada”, completa.
O
que os resultados indicam até agora
A
anomalia das vagens é um problema que está presente na cultura da soja e não há
ocorrências em outros cultivos de Mato Grosso, como milho e algodão. Entre os
sintomas mais típicos está o escurecimento interno da vagem e de grãos, com
maior intensidade no terço médio inferior, e que fica mais visível nos estádios
finais de enchimento de grãos, ao redor de R5.5 e R.6, próximo à maturação
fisiológica. Ao abrir a vagem é constatado o apodrecimento de um ou mais grãos.
Os
pesquisadores da Fundação MT relatam que em todas as avaliações neste período
de três safras, não foi encontrado nenhum patógeno incomum associado ao
problema, e sim fungos dos gêneros Fusarium, Colletotrichum, Phomopsis, Cercospora
e também bactérias, porém, todos já descritos há muito tempo na cultura da
soja. “A maioria desses patógenos são considerados oportunistas, ou seja,
aproveitam-se de condições favoráveis como uma eventual debilidade da planta, e
colonizam o tecido vegetal, causando o sintoma de apodrecimento de vagens e
grãos”, define o fitopatologista.
Araújo
destaca ainda que para o patógeno avançar no processo de colonização e
multiplicação, ele precisa de condição ambiental favorável, como de umidade e
molhamento foliar e de tecido, além de suscetibilidade de um hospedeiro. “Este
entendimento é que estamos utilizando como padrão, pois sabemos que existe
algum estímulo externo para essas situações das lavouras, seja ele
edafoclimático (clima e solo), de manejo ou a junção desses, os quais estão
tornando as plantas mais suscetíveis ao ataque desses microrganismos
aproveitadores”, pontua.
Genética
Com
relação às cultivares de soja avaliadas no experimento da Fundação MT, os
especialistas verificaram que nenhuma deixou de apresentar o problema, sendo algumas
com maior ou menor intensidade. Também se constatou que o apodrecimento é mais
intenso nas primeiras semeaduras da janela, enquanto que nas posteriores existe
tendência de redução do problema.
“Entendemos
que a anomalia não está ligada somente à época de semeadura, mas sim, a uma
junção de fatores”, cita Karla. “Ambiente favorável ao desenvolvimento de
fungos fitopatogênicos/saprofíticos, maior intensidade em determinadas
cultivares e maior ou menor proteção dos fungicidas utilizados”, completa.
Os
profissionais ressaltam que todas as pesquisas e junção de dados também poderão
ser úteis no processo de melhoramento genético de cultivares de soja das
obtentoras. As empresas poderão trabalhar para selecionar materiais que tenham
mais adaptação às situações específicas das lavouras no eixo da BR-163, como é
o caso da anomalia das vagens.